Apesar de o mercado financeiro já adotar índices de sustentabilidade deste tema, nenhum dos grandes bancos brasileiros apresenta políticas para o bem-estar animal
*Por Paola Moretti Rueda e Gustavo Machado de Melo
Com a Resolução Nº 4.327/2014 do Conselho Monetário Nacional, o Sistema Financeiro Nacional passou a formalizar a incorporação de critérios socioambientais às suas políticas de investimento e financiamento. Este movimento visa garantir retornos de longo prazo, proteger as instituições financeiras de riscos reputacionais e de mercado, além de promover o desenvolvimento sustentável.
Hoje, os critérios Ambiental, Social e Governança (ASG) já figuram nos gerenciamentos de riscos das instituições financeiras, que os incorporam de acordo com suas necessidades. Contudo, ainda são poucas as que consideram o bem-estar animal dentre estes critérios, mesmo com a crescente preocupação do setor. Porém, estes aspectos são parte fundamental da sustentabilidade e não devem ser secundarizados.
Empresas de proteína animal avançaram na integração do bem-estar em suas cadeias. Sete grandes empresas produtoras, processadoras e varejista aboliram gaiolas para matrizes suínas e o comércio de ovos livre de gaiolas representa 5% da produção nacional. Na pecuária bovina, há linhas específicas de carne de animais tratados sob critérios de bem-estar.
No mercado financeiro existem índices de sustentabilidade que contemplam indicadores de bem-estar, como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, e benchmarks, como o Business Benchmark on Farm Animal Welfare (BBFAW), que analisa as informações públicas sobre bem-estar disponíveis nos documentos de empresas que operem com proteína animal - incluindo as brasileiras: Aurora, BRF, Habib's, JBS, Marfrig e Minerva.
Apesar de uma melhora constante desde 2012, ainda há pouca informação sobre políticas de bem-estar e demonstração de resultados dos indicadores que impactam na vida dos animais. Neste ponto, a incidência de instituições financeiras é essencial, promovendo melhores práticas corporativas.
Considerando a recente integração do bem-estar animal nas políticas dos bancos brasileiros, em 2019 foi lançado um manual para orientar neste processo. O FARMS Initiative auxilia instituições financeiras a incorporarem cinco conjuntos de padrões para a maioria das espécies criadas para consumo humano.
Ao analisar políticas dos bancos para concessão de crédito para o setor, o Guia dos Bancos Responsáveis (GBR) identificou que nenhum dos bancos brasileiros apresenta políticas para o bem-estar animal. Dentre os critérios procurados estavam políticas para diminuir o uso de antibióticos, que promovem a resistência antimicrobiana. Na média dos nove maiores bancos do país em ativos, só foram encontradas 24% das políticas que seriam ideais à agroindústria sustentável.
A situação é muito diferente na Holanda, país que há 11 anos deu início ao Fair Finance International (FFI). No Guia de bancos holandês, a média da nota dos bancos em políticas para o setor de alimentos abarca 79% dos critérios de sustentabilidade considerados necessários para o setor.
Ainda que a integração de critérios de bem-estar animal às políticas dos bancos brasileiros pareça distante, o primeiro passo é realizar um estudo de materialidade, que identifique os riscos da não integração do tema em suas políticas e mapeie as oportunidades. Outra medida é garantir que as empresas financiadas ou investidas reportem sobre suas práticas.
Por fim, as instituições financeiras devem garantir que os Padrões Mínimos de Responsabilidade, conforme colocados pelo FARMS, sejam respeitados por empresas de proteína animal. Em um estágio adiante, as demandas de bem-estar animal devem ser colocadas também para restaurantes e outras empresas que tenham na carne o centro do seu negócio.
Mas, por que é tão relevante a integração do bem-estar animal como critério de investimento e financiamento?
Precisamos entender o que é uma criação de animais com altos níveis de bem-estar: O foco é a possibilidade de expressar o comportamento natural da espécie, ou seja, as galinhas poderem empoleirar e ciscar, os suínos fuçarem e os bois descansarem sob a sombra. Além disso, a biologia do animal deve ser respeitada, então, os frangos devem crescer de maneira saudável, as vacas não podem produzir mais leite do que seu corpo suporta e os suínos não devem apresentar comportamentos que demonstrem estresse extremo. O animal ser respeitado em todos os sentidos: fisiológico, biológico e psicológico.
Nesta visão, o bem-estar animal deve ser considerado pela indústria como parte integrante de um conceito de sustentabilidade. O bem-estar não pode ser considerado um item sozinho na produção pecuária, pois está conectado com o meio ambiente - tanto localmente (água subterrânea, pressão nos solos e mananciais, diminuição da necessidade do uso e dos resíduos de antibióticos) quanto globalmente (por exemplo, pegada de carbono) - e conectado com a saúde e as questões sociais humana.
Além destas questões há o aumento da preocupação por parte dos consumidores que pode, inclusive, rechaçar o consumo por não concordar com a forma de criação dos animais. Segundo pesquisa da Proteção Animal Mundial, 55% dos brasileiros se preocupam com o método de abate e 91% acreditam que animais criados com bem-estar originam produtos de maior qualidade.
Analisando a sustentabilidade na sua forma mais ampla, é possível entender que o setor financeiro é vital na melhoria dos sistemas produtivos, afinal, a força motriz do sistema produtivo nacional parte de investimentos, financiamentos, compras, vendas e, principalmente, do que é socialmente aceito. Portanto, para que o sistema financeiro relacionado ao agronegócio tenha um futuro sustentável e próspero, é fundamental que o bem-estar dos animais seja considerado como um pilar da sustentabilidade.
Paola Moretti Rueda. Zootecnista pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, mestrado na mesma instituição e doutorado na Unesp-Jaboticabal. sempre trabalhou na temática de comportamento e bem-estar de animais de produção. É coordenadora de bem-estar de animais de fazenda da Proteção Animal Mundial.
Gustavo Machado de Melo. Internacionalista pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisa responsabilidade socioambiental corporativa e direitos humanos. É Analista do Programa de Serviços Financeiros do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), com ênfase nas ações do Guia dos Bancos Responsáveis.