Como o seu dinheiro colabora com a violação de direitos dos povos indígenas
Foto: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados
Nesta segunda-feira, 19 de abril, é comemorado no Brasil o Dia do Índio. Antes de qualquer comemoração, o dia serve para reflexão. Enquanto muitas pessoas ainda não entendem por que é preciso proteger as terras e culturas dos povos indígenas, outras se perguntam como podem contribuir para que os direitos desses povos sejam respeitados.
Um segmento da sociedade que contribui com a violação de direitos dos povos indígenas, mas nem sempre recebe a devida atenção, é o setor financeiro. Dentre suas principais tarefas está a realização de investimentos e financiamentos. Quando estes não são feitos de forma responsável, baseados em políticas sólidas e monitoramento contínuo, essas instituições podem acabar apoiando empresas que não garantam o respeito aos povos indígenas, seja em suas próprias operações ou nas suas cadeias de fornecimento. E isso pode ser feito com o seu dinheiro, quando você faz um investimento, coloca na poupança ou deixa rendendo automaticamente.
Atualmente são inúmeros os casos de ataques às vidas e terras indígenas. O agronegócio, o setor imobiliário e hoteleiro, projetos de infraestrutura, principalmente de geração de energia, e a mineração estão entre as maiores ameaças para os povos indígenas do Brasil. Para garantir a instalação e funcionamento desses setores, o apoio de instituições financeiras é imprescindível, seja por meio de empréstimos, investimentos ou seguros.
Em fevereiro de 2021, o Guia dos Bancos Responsáveis (GBR) publicou uma avaliação de políticas de responsabilidade socioambiental dos nove maiores bancos brasileiros. E você provavelmente tem uma conta em pelo menos um deles. Os resultados demonstram que as principais instituições financeiras do país ainda deixam muito a desejar nas políticas para proteção dos povos indígenas. Nos critérios de Direitos Humanos, os nove bancos obtiveram uma nota média de 36% do que seria um banco responsável, fortemente amparados na legislação brasileira. O desempenho médio nos temas de Mineração e Agronegócio foi de apenas 29%.
Falando em termos práticos, os maiores bancos do país falham em cumprir com padrões mínimos. Embora se comprometam de forma mais generalista a respeitar os direitos indígenas, nenhum deles publica políticas que garantam consulta livre, prévia e informada quando empresas nas quais eles investem afetarem populações ou territórios indígenas. Indagar previamente as comunidades afetadas é uma exigência para que empreendimentos econômicos respeitem esses povos. Além disso, territórios tradicionais ainda não demarcados, que são numerosos, também não são abordados em nenhuma política publicada pelos bancos avaliados.
Para além dos bancos, outras instituições financeiras podem gerar um impacto negativo sobre os povos indígenas. As corretoras são um exemplo e estão no centro de uma tragédia já chamada de “nova corrida do ouro na Amazônia” que relembra a calamidade de Serra Pelada. Conforme mostra estudo do Instituto Escolhas, as distribuidoras de títulos e valores mobiliários permitem que ouro extraído ilegalmente de Terras Indígenas entre no mercado como se fosse legal. Assim, facilitam sua continuidade e expansão. Só em 2020, o garimpo ilegal avançou 30% em terras Yanomami, fazendo explodir os casos de Covid-19 e malária. Garimpos ilegais também são terreno fértil para lavagem de dinheiro, como mostra o recente caso do doleiro Dario Messer com um garimpo ilegal na Bahia.
A preservação de Terras Indígenas e o trabalho ativo dos povos que a habitam são fundamentais para a manutenção do regime de chuvas e para impedir a degradação socioambiental, contribuindo para a sobrevivência de toda a humanidade. Como bem pontua a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), os Povos Indígenas compõem 5% da população mundial, mas suas terras detêm 80% de sua biodiversidade. Além disso, as visões de mundo dos primeiros habitantes da América são um contraponto essencial aos modelos de desenvolvimento que o Brasil tem seguido.
Enquanto a relação entre instituições financeiras e as empresas que elas apoiam resultam em abundantes violações aos direitos humanos, o próprio setor financeiro cria oportunidades de pressão. Em 2019, indígenas guarani Mbyá do litoral paulista compraram ações da Rumo Logística para denunciar na assembleia de acionistas da empresa o descumprimento de obrigações socioambientais decorrentes da duplicação de uma ferrovia que passava dentro de suas terras. Essa foi a primeira experiência do chamado “ativismo societário” no país.
Outra forma de agir é por meio do Guia dos Bancos Responsáveis, mencionado anteriormente. Ele dá poder aos clientes de pautarem melhorias enviando um ultimato ao seu banco, exigindo políticas de respeito e inclusão dos povos indígenas, bem como outras demandas que tenham. Já que o dinheiro do cliente está ligado a essas violações, muitas vezes sem saber, sua participação para reverter o cenário de violações é indispensável e complementar à prática do consumo sustentável.
*Publicado originalmente no UOL