Apesar de representarem mais de 80% da intenção de compra no país, pretos e pardos ainda são alvos da desigualdade e da invisibilização nas relações de consumo
A discrepância no acesso ao crédito no Brasil não ocorre por acaso. Ela reflete um quadro mais amplo de desigualdades estruturais e raciais que permeiam as nossas relações econômicas. Os grandes bancos, ao aplicarem taxas de juros mais elevadas nas modalidades de crédito e ao realizarem consultas exacerbadas aos dados pessoais de pessoas pretas, fortalecem, por meio dessa exposição, a prática do racismo estrutural.
A falta de representatividade nos bastidores das instituições financeiras também contribui para a perpetuação da desigualdade. Quando pessoas pretas estão sub-representadas em cargos de liderança, as políticas internas podem ignorar as nuances de suas necessidades e experiências, resultando em práticas que marginalizam esse grupo significativo da população.
Além disso, o investimento pesado em campanhas publicitárias, ostentando o compromisso das instituições com a diversidade e a luta contra o racismo, não se reflete na realidade ao deixar de lado ações que incluam o incentivo à população negra em sua carteira de crédito, por exemplo.
O Guia dos Bancos Responsáveis, iniciativa liderada pelo Idec e outras instituições parceiras, divulga a cada dois anos estudos sobre as políticas socioambientais dos 8 maiores bancos brasileiros. O último estudo, realizado em 2022, trouxe dentre os 18 temas avaliados o de “Inclusão Financeira” - que obteve uma média 7,5 de 10 - e evidenciou como ele não deve dialogar somente para o crescimento econômico, mas também com uma política que coopera para diminuição das desigualdades. A nota reflete que o sistema de inclusão e análise ainda não é acessível a todas as pessoas e que é preciso melhorar as políticas que se referem a produtos bancários.
A estratégia de associar a imagem da empresa a causas sociais, como a luta contra o racismo, LGBTfobia e inclusão de pessoas com deficiência, não é apenas uma tentativa de reparar danos à reputação, mas também uma estratégia de negócios. Eles reconhecem o poder do engajamento social principalmente nos meios digitais e sabem que a identificação do consumidor com valores éticos pode atrair e manter novos clientes.
Valorizar a responsabilidade social corporativa está acima de cumprir objetivos que sejam realmente eficientes e quando se trata de campanhas étnicas, as instituições reconhecem que através do apelo transformam a ausência de credibilidade e boas práticas em reconhecimento e respeito.
A população negra representa 80% da intenção de compra no país e movimenta 1,9 trilhão em renda por ano, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva. E mesmo que apresentem perfis financeiros sólidos, o racismo estrutural pode ser observado entre os empreendedores pretos quando olhamos para a dificuldade de acesso ao crédito e vemos que a negativa do mesmo é três vezes maior do que para os demais perfis.
Um dos principais fatores que perpetua essa situação é o viés inconsciente presente nos processos de concessão de crédito. Mesmo que as instituições financeiras afirmem seguir critérios objetivos, muitas decisões são influenciadas por preconceitos e estereótipos arraigados da sociedade.
Combater o racismo e a invisibilização nas relações de consumo requer uma revisão profunda dos critérios de avaliação e uma abordagem mais inclusiva por parte das instituições financeiras. É urgente que os bancos reconheçam e corrijam as disparidades, promovendo práticas que incentivem a diversidade e a igualdade de oportunidades para além das datas efêmeras.
Esta tramitando no Senado Federal o PL 4529/2021 que propõe a alteração do Código de Defesa do Consumidor (CDC) para garantir a obrigatoriedade de informar a motivação acerca das razões que fundamentam a recusa de crédito e combater a discriminação racial nas relações de consumo, uma iniciativa importante para que os abusos e as práticas de racismo sejam combatidas. Mas o PL avança lentamente. Em 25/09/2023 passou pela SF-SACDH - Secretaria de Apoio à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para indicação do relator do projeto.
É importante que a população pressione os parlamentares e apoie a aprovação da Lei. Além disso, a edição mais recente da revista do Idec destaca questões profundas relacionadas ao racismo nas relações de consumo e amplia o debate sobre a importância de medidas que promovam a equidade racial em diversas esferas da sociedade.
É importante que os consumidores saibam que eles detêm o poder de exigir mudanças e de escolher apoiar instituições que se comprometam verdadeiramente a eliminar o racismo estrutural em todas as suas formas. Este é um chamado não apenas à conscientização, mas à transformação real e duradoura nas políticas e práticas das instituições financeiras.
Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Idec
Ohana Oliveira, analista de comunicação do Idec