Após o Mês da Mulher, o setor financeiro precisa cumprir suas promessas com as mulheres

27 abril 2023

Vimos no mês do Dia Internacional da Mulher uma enxurrada de ações publicitárias de empresas do mercado financeiro em exaltação às mulheres. Mas como esse apoio continuará depois de março?

 

No Brasil, o empreendedorismo é marcado pela necessidade. Segundo pesquisa realizada pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2022/2023, estudo que analisa a atividade empreendedora ao redor do mundo, a principal motivação dos brasileiros para empreender seria “ganhar a vida porque os empregos são escassos”. Com o crescente fenômeno da “pejotização” e até da “uberização”, o empreendedorismo brasileiro é inegavelmente marcado pela falta de oportunidades do mercado formal e em razão da flexibilização de leis trabalhistas.

Segundo a mesma pesquisa, dentre os que figuram como empreendedores, há uma lacuna significativa entre as mulheres e os homens. Quando analisamos a população adulta (idade entre 18 a 64 anos), 20% das pessoas estão começando um novo negócio. Ao analisar somente a população adulta do sexo feminino, 17% estão começando um novo negócio. Já na análise da população masculina, esta porcentagem sobe para 23%.

Essa lacuna cresce ainda mais quando analisamos a porcentagem de negócio já estabelecido (com mais de 42 meses de atividade). Na análise da população feminina, apenas 6,8% das mulheres adultas comandam empreendimentos já estabelecidos. Em contrapartida, 14,2% da população adulta masculina comanda negócios nesse estágio. Ou seja, os dados sugerem que, com o passar do tempo, as mulheres têm mais dificuldade de manter seus empreendimentos, uma vez que para cada mulher gerindo um negócio estabelecido, há dois homens fazendo o mesmo.

A comparação entre as duas lacunas indica não somente uma maior hostilidade para o público feminino que busca empreender, mas também a perda de renda das casas chefiadas por mulheres, endividamento e dependência financeira de terceiros que, por sua vez, pode significar mais um entrave para a superação de situações de violência doméstica.

Vimos no mês do Dia Internacional da Mulher uma enxurrada de ações publicitárias de empresas do mercado financeiro em exaltação às mulheres. Mas como esse apoio continuará depois de março?

Uma das condições essenciais para mulheres iniciarem e manterem novos negócios é o acesso ao crédito que, diante desse quadro, não pode se dar nas mesmas condições para ambos os sexos. É preciso incentivos específicos para as consumidoras de serviços financeiros. Compromissos nesse sentido já vêm sendo demandados por organizações sem fins lucrativos há muito tempo, como é o caso do Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), iniciativa da sociedade civil construída pelo Idec em parceria com as organizações Conectas Direitos Humanos, Proteção Animal Mundial e Instituto Sou da Paz.

Um dos elementos exigidos pelo GBR é o de que instituições financeiras ofereçam produtos e serviços financeiros específicos para promover a inclusão financeira de grupos sub representados e em desvantagem de poder. Essa iniciativa avalia a cada dois anos os compromissos socioambientais dos oito maiores bancos com operações no Brasil (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander, BNDES, BTG Pactual e Safra), além de realizar estudos de casos e campanhas sobre temas relacionados às atividades das instituições financeiras.

Como resultado desses debates públicos, há algumas políticas específicas dos grandes bancos voltadas para o público feminino. Recentemente, por exemplo, o maior banco em ativos no Brasil, Itaú Unibanco, anunciou a captação de R$ 2 bilhões por meio da emissão de Letras Financeiras rotuladas como “sociais”, pois destina-se a fomentar o empreendedorismo feminino, com foco na região Norte e Nordeste. Essa iniciativa faz parte do programa Itaú Mulher Empreendedora, que, além da oferta de crédito, oferece capacitações e meios de networking.

Embora a iniciativa seja um passo importante a ser seguido por outros bancos, o fomento não deve se limitar somente à facilitação do acesso ao crédito e capacitação. Não há, por exemplo, menção a taxas de juros ou prazos diferenciados para mulheres, medidas essenciais para ajudar na superação das barreiras que as empreendedoras encontram na consolidação de seus negócios. Também ainda não resta claro se a iniciativa contemplará – conforme o fez em edições passadas – as microempreendedoras que ainda estão na informalidade. Uma vez que as mulheres encontram maiores barreiras para manter seus negócios – dupla jornada de trabalho, desvalorização de seu profissionalismo, entre outros fatores – os incentivos para prosperarem precisam também ser diferenciados.

Nesse sentido, vale também destacar algumas iniciativas locais que, além da facilitação do acesso ao crédito para giro e caixa ou investimentos, propõem condições de pagamento diferenciadas para as mulheres, como o Empreenda Mulher do Banco do Povo, Banco da Mulher Paranaense, ou ainda o Empreendedoras de Minas do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Nesses exemplos, há taxas de juros, prazo e carência para pagamento mais vantajosos que a média do mercado, evidenciando a possibilidade da oferta de serviços financeiros compensatórios que incentivem o empreendedorismo feminino.

Em contrapartida, em uma análise mais detalhada dos oito maiores bancos com atuação no Brasil, temos que suas políticas sobre gênero ainda são pouco abrangentes. Essa análise foi realizada pelo projeto GBR em 2022, em que a nota média dada para o auxílio promovido pelos bancos na efetivação da igualdade de gênero foi de apenas 3,5 em uma escala de 0 a 10. Dentre os critérios avaliados, um dos de maior importância seria a verificação de se a instituição financeira possui sistemas para prevenir e mitigar a discriminação de gênero de seus clientes.

É nesse sentido que iniciativas da sociedade civil, como o GBR, buscam demandar mais responsabilidade social e ambiental das instituições financeiras, agentes que podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento de empreendimentos comandados por mulheres de baixa renda. Sendo a coletividade afetada pela ausência de políticas mais ambiciosas nesse sentido, cabe a toda sociedade exigir as salvaguardas necessárias para que as desigualdades não sejam perpetuadas pelas políticas de crédito dos bancos.

Julia Dias e Fábio Pasin são pesquisadores e advogados do Programa de Serviços Financeiros do Idec.