Qual papel as mulheres ocupam perante o sistema financeiro nacional?
No Dia Internacional das Mulheres, Idec e Contraf, organizações do Guia dos Bancos Responsáveis, realizam uma análise sobre as políticas dos bancos brasileiros em relação à igualdade de gênero e constatam a baixa presença de mulheres nos altos cargos administrativos
Leia também o artigo de 2020 clicando aqui
No dia 8 de março é comemorado o Dia Internacional da Mulher, um momento privilegiado para a discussão da igualdade de gênero. Durante o ano 2018 o Idec pesquisou minuciosamente as políticas dos 9 maiores bancos brasileiros em busca de suas políticas sobre igualdade de gênero. O resultado não é nada satisfatório: de 0 a 10, a nota média dos 9 bancos alcançou somente 1,4.
As conclusões estão compiladas na edição de 2018 da avaliação de políticas do Guia dos Bancos Responsáveis (GBR). Dentre os 18 temas avaliados, Igualdade de Gênero teve a quarta nota média mais baixa, atrás apenas de Impostos e Mudanças Climáticas (1,0), Armas (0,8) e Setor Imobiliário e Habitação (0,7). Esse fato demonstra um estágio ainda incipiente de integração da igualdade nas políticas dos bancos.
Notas dos bancos no tema Igualdade de Gênero
Os investimentos das empresas, sobretudo em grandes projetos, têm impactos diferenciados nas mulheres. Elas acabam sendo as maiores afetadas, como por exemplo durante e após a construção da usina de Belo Monte, que aumentou radicalmente a violência contra a mulher. Segunda informado pela revista Época, no pico da construção, em 2015, o número de ocorrências contra mulheres chegou a 607, quase o triplo de cinco anos antes.
Entre os critérios avaliados no estudo, não há programas de desenvolvimento profissional direcionado para os funcionários, a fim de promover acesso igual para mulheres a cargos de nível sênior.
Além de não divulgar os próprios critérios, os bancos não exigem das empresas que financiam uma política que estabeleça uma política de tolerância zero para todas as formas de discriminação de gênero, incluindo assédio verbal, físico e sexual, e também não incluem critérios de gênero e direitos das mulheres em suas políticas de compras e operacionais.
Dentre todos os 9 maiores bancos brasileiros, somente o BNDES tem políticas próprias para evitar que haja discriminação de gênero nas empresas que ele financia. Elas precisam tomar todas as medidas ao seu alcance para impedir que fornecedores, de produto ou serviço essencial para a execução do projeto/operação, pratiquem atos que importem em discriminação de gênero.
Para além dos impactos, é importante também olhar para as operações internas. As mulheres contam com vários obstáculos à sua ascensão profissional, como a jornada dupla e a apropriação de suas ideias por colegas homens e a interrupção em reuniões. Aquelas que conseguem se alçar aos cargos mais altos de uma instituição são frequentemente relegadas às áreas consideradas de menor importância. Em alguns casos, passam a exigir mais de suas subordinadas mulheres, relativamente aos homens.
Entretanto, quando falamos da participação de mulheres na gestão dos bancos, os dados são igualmente desanimadores. Em nenhum deles há um patamar mínimo de 30% de mulheres nos altos cargos administrativos e nenhum publica política para aumentar a participação feminina nessas posições.
Os bancos BB, Itaú e Santander são signatários dos Princípios de Empoderamento das Mulheres, uma iniciativa da ONU Mulheres que embasa a ação corporativa para promover a igualdade de gênero. Talvez por isso sejam os únicos a terem uma política de desenvolvimento profissional para mulheres. Os BB, BNDES, Caixa e Itaú também participaram do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do Governo Federal, iniciativa que visava alcançar a igualdade entre mulheres e homens no mundo do trabalho.
Os resultados completos do tema Gênero podem ser encontrados no site do GBR.
O PODER DA VOZ
O Guia dos Bancos Responsáveis disponibiliza uma ferramenta em que clientes podem enviar mensagens para seus bancos pressionando por melhores políticas. “Essa é uma oportunidade para que qualquer pessoa faça sua voz ouvida, com possibilidade de impacto na vida de milhares de mulheres”, Ione Amorim, coordenadora do Guia dos Bancos Responsáveis no Brasil e líder do Programa de Serviços Financeiros do Idec.
A voz dos consumidores levou à mudança de políticas em um banco na Holanda: o De Volksbank (ASN Bank e SNS) incluiu em sua política de votação que mulheres têm prioridade na indicação de conselheiros nas companhias em que o banco investe. Já na Suécia, o apoio de consumidores permitiu que o GBR do país pressionasse o banco dinamarquês Danske Bank, que comunicou a meta de 38-40% de representatividade feminina nos níveis sêniores de tomada de decisão.
No Brasil, metas como a do Danske Bank podem ser implementadas também. No contexto brasileiro, é essencial que políticas de gênero das instituições financeiras sejam acompanhadas de políticas raciais. Além disso, uma política de creche melhorada e iniciativas de desenvolvimento profissional para funcionárias de banco são primeiros passos urgentes.
No setor bancário a diferenciação de gênero pode ser vista nitidamente pelos cargos e salários. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) em 2/3/18, as 1.283 mulheres admitidas nos bancos em janeiro de 2018 receberam, em média, R$ 3.116,41. Esse valor corresponde a 71,8% da remuneração média auferida pelos 1.316 homens contratados no período. Leia mais sobre Políticas de Diversidade nos Bancos.
A presidenta da Contraf-CUT observa ainda que, nos últimos relatórios de sustentabilidade dos bancos, verifica-se as mulheres são minoria nos cargos de direção. No Santander, elas ocupam apenas 20,20% dos cargos nesta esfera. Mas, nos outros bancos chega a ser ainda pior. No Itaú, somente 12,7% dos cargos de diretoria são ocupados por mulheres. Nos outros, o número sequer atinge 6%: 5,15% no Bradesc; 4,84% no Banco do Brasil; e 2,7% na Caixa.
SOBRE O GUIA DOS BANCOS RESPONSÁVEIS
Desde 2014, o GBR faz parte do Fair Finance Guide International (FFGI), que reúne organizações da sociedade civil de 11 países com o objetivo de responsabilizar as instituições financeiras pelos impactos de seus investimentos e serviços financeiros na sociedade e na natureza.
No Brasil, compõem o Guia o Idec, a Confederação dos Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro - Contraf, Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconomicos- Dieese, o Sindicato dos Bancários de São Paulo e Osasco, a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Sou da Paz e o Instituto Defesa Coletiva.
A avaliação de políticas dos bancos é realizada a cada dois anos e pode ser encontrada na íntegra no site do projeto.