Mais endividadas, cresce número de mulheres brasileiras que chefiam seus lares

06 março 2020

Pesquisas mostram que promover a igualdade de gênero melhora a economia como um todo

 

O número de mulheres que chefiam os lares no Brasil tem subido nos últimos anos. O último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostra que no ano de 2018 elas eram responsáveis por 45% das 71 milhões de residências brasileiras - um aumento de 1,8 milhões de casas em relação ao ano de 2017. Contudo, a realidade de remuneração e oportunidades para mulheres no mercado de trabalho ainda está longe de ser igual à situação masculina, o que ajuda agravar uma outra situação preocupante, o endividamento dessas brasileiras.

O estudo mais recente do SPC - Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) sobre inadimplentes, também de 2018, mostra que de cada 10 devedores, seis são mulheres – o que representa mais de 38 milhões de brasileiras. A mesma pesquisa evidencia que os compromissos financeiros mais comuns entre os inadimplentes são relativos ao lar: a conta de água e luz (57,1%), as parcelas a pagar no cartão de crédito (48,6%), o crediário (46,5%), a conta de telefone fixo ou celular (45,6%), a TV por assinatura/internet (34,2%), e o aluguel (22%). 

Mais do que um descontrole financeiro, o endividamento de mulheres pode ser resultado de uma associação de fatores como a desigualdade de salários no Brasil aliada a oferta de crédito com juros altos, publicidade abusiva e ausência de educação financeira. É importante lembrar que o mesmo estudo do SPC constata que mais de 90% dos devedores, incluindo homens, pertencem às classes C, D, E e em sua maioria não ultrapassou o segundo grau de escolaridade.

E é justamente nas camadas mais pobres da população, onde se concentram as maiores injustiças sociais. Em muitos casos, abandonadas pelo companheiro, elas assumem sozinhas a criação dos filhos.  E neste papel de principais provedoras da subsistência familiar, são muitas vezes expostas no ambiente de trabalho, submetendo-se a salários mais baixos e às poucas oportunidades de vagas qualificadas.

Essa desigualdade foi evidenciada pelo IBGE que, em 2018, divulgou que o salário médio das mulheres no Brasil era de R$ 2.050 por mês, o correspondente a 79,5% do rendimento do trabalho dos homens (R$ 2.579). E essa diferença ocorre até mesmo quando as mulheres são mais instruídas, como no caso do setor financeiro, onde elas ganham menos apesar de estudarem mais.

Ainda assim, a luta pela paridade de gênero não tem sido enfrentada de forma prioritária pelas empresas. No ambiente profissional essa realidade caminha lentamente, sobretudo nos países em desenvolvimento, conforme aponta a avaliação de Políticas de Responsabilidade Socioambiental das instituições financeiras, principais motores da economia através do financiamento de setores e empresas.

Na última avaliação das políticas de gênero dos principais bancos em 10 países (Bélgica, Brasil, Alemanha, Índia, Indonésia, Japão, Noruega, Holanda, Suécia, Tailândia), somente em metade desses países os bancos tiveram boas notas por apresentarem políticas estruturadas para promoção da equidade entre homens e mulheres. São eles: Suécia, Noruega, Holanda, Japão e Bélgica.

No Brasil, essa avaliação de políticas é feita dentro do Guia dos Bancos Responsáveis, capitaneado pelo Idec. Mas a pontuação média dos bancos é baixa, o que indica a falta de comprometimento com o tema. Poucos bancos do mundo são piores que os brasileiros no quesito igualdade.

 

 Média das notas dos bancos em cada um dos países do Guia dos Bancos Responsáveis

 

País

Quantidade de bancos avaliados

Nota

Noruega

14 bancos

5,9

Suécia

9 bancos

5,3

Alemanha

14 bancos

3,4

Japão

7 bancos

3,3

Holanda

7 bancos

2,9

Bélgica

9 bancos

2,5

Brasil

9 bancos

1,4

Indonésia

11 bancos

1,2

Índia

8 bancos

0,6

Tailândia

9 bancos

0,2

 Fonte: Idec

 

Aqui vale destacar que são avaliadas as políticas internas dos bancos e as que eles desenvolvem para as empresas que financiam ou nas quais investem. Avalia-se a existência de políticas de combate à discriminação de mulheres, incluindo assédio verbal, físico e sexual; sistema de promoção ativa da igualdade salarial; representatividade feminina de no mínimo 30% em cargos de alto escalão; e promoção de desenvolvimento profissional para garantir a igualdade de acesso a cargos de níveis superiores. 

Para além de uma simples classificação, o Guia dos Bancos Responsáveis é elaborado para ser uma ferramenta que qualquer cidadão possa usar para pressionar as instituições financeiras a adotarem ações efetivas para combater a desigualdade de gênero. Por isso, você pode ver aqui qual a nota do seu banco no tema e, se não gostar, enviar para ele um e-mail demandando mudanças apertando no botão vermelho, "Não estou satisfeito com meu banco". Acredite, sua voz tem poder! Na Suécia, o apoio de consumidores permitiu que o GBR do país pressionasse o banco dinamarquês Danske Bank, que comunicou a meta de aumentar para no mínimo 38% a representatividade feminina nos níveis sêniores de tomada de decisão.  

O Idec também entende que a promoção de educação financeira pode diminuir o impacto do endividamento das mulheres, e desenvolve estudos sobre as possíveis causas e como os bancos tratam os superendividados, além de organizar palestras para promover educação financeira em todo o País.

 

O impacto da desigualdade de gênero na economia 

A desigualdade entre homens e mulheres no Brasil também foi evidenciada no último Relatório Global de Gap de Gênero 2020, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. De 153 países analisados, o Brasil ficou com 92ª posição no ranking global. O relatório levou em conta quatro dimensões temáticas: Educação, Saúde e Sobrevivência, Participação Econômica e Oportunidade e Empoderamento Político.

Na análise global dos dados, embora a Escolaridade, a Saúde e a Sobrevivência apresentem um cenário mais próximas da paridade (96,1% e 95,7%, respectivamente), uma área importante de preocupação é a Participação e a Oportunidade Econômica. Essa é a única dimensão em que o progresso regrediu. Aqui, os números são preocupantes, com uma situação deteriorada forçando a paridade de gênero a 57,8%. Esse dado significa que serão necessários 257 anos para que mulheres alcancem as mesmas condições econômicas dos homens.

É importante destacar que a igualdade de gênero não significa apenas ganho para as mulheres, mas para toda a sociedade. Um estudo recente do Banco Mundial estima que a desigualdade de gênero custa US$ 160 trilhões (equivalente a quase R$ 720 trilhões) à economia global em termos de perdas em riqueza de capital humano.

Outra pesquisa do McKinsey Global Institute, de 2015, reforça esse ponto. O texto diz que se houvesse igualdade das mulheres no mercado de trabalho, o PIB global ganharia uma média de US$ 12 trilhões (cerca de R$ 54 trilhões) até 2025. Esse mesmo relatório é categórico em afirmar que “se as mulheres – que representam a metade da população em idade produtiva em todo o mundo – não alcançam seu potencial econômico total, a economia global como um todo sofre”.

Considerando todos os impactos positivos previstos com a melhoria da paridade de gênero, os bancos brasileiros – cuja pauta prioritária do Governo Federal é a retomada do crescimento econômico – devem encarar o desenvolvimento de políticas públicas que promovam a igualdade entre homens e mulheres como ação prioritária para a promoção da sustentabilidade e melhoria das suas carteiras de investimentos. 

 

Mais: aqui você pode comparar a política do seu banco com a dos outros.