Como empresas envolvidas com trabalho escravo continuam sendo financiadas?

30 abril 2019

Apesar dos bancos possuírem políticas de responsabilidade socioambiental, previstas em lei, elas não estão sendo eficazes para impedir o financiamento de empresas que utilizam mão de obra escrava no País

Os números sobre o trabalho escravo no Brasil ainda representam um grande desafio para a sociedade. A lista suja do trabalho escravo apresenta dados de empresas e pessoas que mantêm trabalhadores em situação de escravidão, o que ainda é frequente em todo o país.

O cadastro de empregadores que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão, a chamada lista suja, foi divulgada em março deste ano pelo Ministério da Economia. Com base nas fiscalizações trabalhistas realizadas em todo o País, foram multadas 187 empresas, totalizando 2.375 trabalhadores em situação análoga à escravidão.  

As ocorrências estão presentes em 25 estados, onde foram autuadas 120 fazendas; 26 empresas com atividades vinculadas à construção; 13 empresas de alimentos (lanchonetes e pastelarias) e outros setores com 28 empresas (confecção, mineração e garimpo). Com base no número de fazendas, cerca de 64% das empresas registradas na lista possuem atividades vinculadas ao agronegócio.

Mas quem está por trás do financiamento dessas empresas? Essa pergunta requer uma reflexão sobre como os recursos chegam até essas empresas direta ou indiretamente e qual a responsabilidade do sistema financeiro nesse processo. Nem sempre as companhias financiadas são aquelas diretamente envolvidas na exploração trabalhista, mas sim as que compõem sua cadeia de fornecimento de suprimento.

De acordo com a resolução do Banco Central nº 3.876/10, os bancos públicos e privados estão proibidos de conceder crédito rural a empregadores que constem no cadastro de pessoas e empresas condenadas pela utilização de mão obra escrava. Entretanto, o problema persiste.

Conforme identificado na lista suja, a região Sudeste possui 83 empresas (destaque para Minas Gerais que individualmente possui 41 empresas e responde sozinha por 22% do total), seguida por região Norte com 40 empresas (destaque para o Pará com 26 empresas 14%). Além das fazendas que exploram a mão de obra escrava, também há o impacto ambiental com a produção agrícola em área de preservação ambiental.

Distância entre políticas e práticas dos bancos

Uma das empresas, localizada em Goiás, foi autuada por uma obra do programa Minha Casa Minha Vida, evidenciando o vínculo com sistema financeiro. A avaliação das políticas de Responsabilidade Socioambiental (RSA) dos bancos brasileiros ainda apresenta uma grande distância entre política e prática, como avaliado no Guia dos Bancos Responsáveis (GBR).

Apesar da proibição da contratação de mão de obra em situação de escravidão, as políticas de responsabilidades socioambientais dos bancos retratam as exigências previstas na legislação, mas não apresentam o nível de compromisso que possa inibir as práticas abusivas na cadeia do agronegócio, construção, segmento de confecções e alimentação, criando uma distância entre a teoria e a prática.

Entre as questões vinculadas ao Direito Trabalhista, os desafios para inibir o trabalho escravo lideram o debate em torno do assunto e requer políticas mais eficazes e compromissos dos bancos para evitar o financiamento direto e indireto de empresas e setores no mercado e maior fiscalização do Banco Central para coibir tais práticas.

Para o advogado e juiz do trabalho, José Roberto Dantas Oliva, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, “é triste tomar conhecimento de que, além de não serem satisfatórias as notas atribuídas aos bancos sobre as políticas internas de respeito aos direitos trabalhistas de seus próprios empregados, as medidas que estão tomando no campo da responsabilidade socioambiental não estão sendo eficazes para impedir o financiamento de exploradores do trabalho escravo”. Oliva destaca também a importância de não se disponibilizar dinheiro para exploradores de trabalho infantil.

O Guia dos Bancos Responsáveis, publicado em novembro de 2018, apresentou o resultados dos bancos sobre políticas de direitos trabalhistas dos 9 maiores bancos do país, inclusive para o setor agropecuário. Confira o Placar Geral e manifeste sua opinião sobre o desempenho do seu banco!